Eva Anadón Moreno, a
activista espanhola expulsa de Moçambique.
Na mesma semana em que somos
confrontados com a notícia de que uma operadora ferroviária alemã decidiu criar
carruagens exclusivas para mulheres nalguns comboios, recebemos a notícia da
extradição por parte das autoridades moçambicanas de uma cidadã espanhola, na
sequência de uma acção de rua contra um decreto governamental que proibe o uso
de saias curtas por parte das estudantes em Moçambique. Que conexão existe
entre estas duas notícias? Em ambas, a justificação: “para as proteger”!
A velha narrativa do sexo forte
e do sexo fraco vem logo ao de cima. A ideia de que os fracos (neste caso é
mesmo as mulheres e as meninas) se devem proteger dos perigos. E logo nos
lembramos de burkas, de véus, de corpos totalmente ocultados e pensamos que
isso é lá longe, em países distantes e culturas atrasadas. Na Índia, no México,
no Japão ou no Brasil como forma de prevenir as mulheres de agressões sexuais
são frequentes carruagens exclusivas para mulheres. Isso é lá, aqui na Europa
nem pensar!
Insidiosamente, vai-se instalando
o medo e os resquícios securitários vão ganhando contornos cada vez mais
explícitos. Ao invés de se investir em políticas de igualdade, de educação para
a promoção de direitos desde criança, responde-se com políticas absurdas ao
arrepio da história: penalização das vítimas em vez de empoderá-las; maior
liberdade para os predadores continuarem a agir, em vez de criminalizá-los.
A segregação e a guetização são
contranatura e em contraciclo com a história da Humanidade. Rosa Parks naquele
1 de Dezembro de 1955 levantou a voz para recusar dar o seu lugar no autocarro
a um branco. Foi o começo dum processo contra a segregação racial nos EUA no
qual Martin Luther King teve um papel destacado como líder, mas foi uma simples
costureira no regresso a casa depois de um dia de trabalho que fez mexer o status quo. O movimento vigoroso que se
seguiu naquele país aboliu o apartheid que proibia brancos e negros de
frequentarem os mesmos espaços, de utilizarem os mesmos serviços. Na África do
Sul a luta de Nelson Mandela foi também contra o odioso regime de apartheid e a
sua luta abnegada faz parte do património da evolução da história da Humanidade
no seu caminho pela liberdade e contra o preconceito.
A história das mulheres e das
feministas é um longo caminho feito de perseverança e de muita luta e
inscreve-se também nesse património da história da Humanidade em busca da
Igualdade e da Liberdade. As mulheres não querem ser excluídas nem tratadas
como menores que precisam ser protegidas por alguém ou de algum perigo
exterior. Querem ser tratadas como iguais, querem ter liberdade para
desenvolverem as suas potencialidades, querem decidir sobre os seus destinos,
sobre a sua vida. Querem ser cidadãs; não querem ser vítimas. Por isso têm
lutado e continuarão a fazê-lo.
O direito à segurança para
todos e todas é um direito básico. Andar na rua a qualquer hora do dia ou da
noite sem medo de ser molestada porque se é mulher; andar em transportes
públicos sem medo de ser abusada ou agredida sexualmente porque se é mulher;
frequentar livremente um espaço público sem receio de ser incomodada; ser livre
de vestir a roupa que entender sem receio de ser julgada ou agredida por alguém
que se acha superior e com direito a julgar ou a gredir porque é homem! Por
isso, carruagens exclusivas para mulheres Não e Não! Espaços próprios e
“seguros” para mulheres em parques de
estacionamento Não e Não! Nem na Europa nem no resto do Mundo!
Volto ao princípio do que
escrevi. Eva Anadón, uma mulher espanhola a trabalhar com o Secretariado
Internacional da Marcha Mundial das Mulheres em Maputo foi presa pelas
autoridades moçambicanas na sequência de um teatro de rua em que se insurgia
contra o decreto governamental que proibe as alunas de usarem saias curtas.
Posteriormente, foi expulsa de Moçambique apesar de estar legalmente a
trabalhar no país, o que é de uma enorme violência e arbitrariedade. Que crime
cometeu Eva Anadón? O lutar contra o controlo dos corpos? O lutar pela
emancipação das mulheres e pelo seu empoderamento? Lamentavelmente, as
autoridades nada fazem contra o descarado e abusivo assédio e violência
machista nos “chapas” ou nos autocarros em Maputo, reprimindo os abusadores
sexuais que toda a gente sabe que existem e que actuam impunemente. Como
escreveu Eva Anadón, “ A forma de parar com o assédio sexual nas escolas nao é
controlar o comprimento das saias!!!! É fazer cumprir a
lei e criminalizar os agressores!!!! Basta de controle dos nossos corpos!!
Chega de criminalizar as mulheres pela violência que elas próprias sofrem!!!”.
Afinal, enquanto os predadores
continuam à solta, protegidos pelo Estado com leis e espaços de exclusão, as
vítimas terão que continuar a lutar para deixarem de ser violadas, molestadas,
assediadas, maltratadas, abusadas, agredidas, injuriadas, silenciadas,
segregadas, presas, discriminadas, assassinadas. Porque o estatuto delas não é
de vítimas, mas de mulheres que querem ser livres.
Almerinda Bento - UMAR
Publicado na página
IGUALDADE XXI no Jornal Diário Insular de 7 de Abril de 2016
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