quarta-feira, 21 de maio de 2014

Palavras que o vento não leva

17 de Maio - Dia Internacional contra a Homofobia, Bifobia e Transfobia - Praça Velha, Angra do Heroísmo

Iniciativa promovida pela Associação LGBT Pride Azores com a participação da UMAR Açores na Câmara Municipal de Angra do Heroísmo a 17 de Maio de 2014
Respeito, Tolerância, Igualdade, Inclusão, são palavras que ouvimos constantemente, quer pela comunicação social, quer no nosso dia a dia, nos mais diversos contextos. Assistimos à adoção em massa de um discurso que hoje é tido como socialmente correto no que diz respeito a questões como a orientação sexual. No entanto, é necessário analisar e desconstruir esse discurso de forma a tentar compreender se o mesmo corresponde à apropriação do conceito que ele próprio encerra, isto é, a consciência para práticas que têm em conta a diversidade.
De acordo com os resultados da investigação de carater qualitativo que pretendeu aceder à compreensão dos discursos e da ação de professores, a lecionar na ilha de São Miguel, em relação à homossexualidade, e que deu origem à dissertação de Mestrado Discursos sobre homossexualidade numa comunidade educativa: perspetivas de professores (Rodrigues, 2012), apresentada na Universidade dos Açores, ainda existem muitos constrangimentos em relação à homossexualidade, embora muitas vezes camuflados por um discurso socialmente polido. De um modo geral, encontraram-se professores que conseguem identificar preconceitos, estereótipos e situações de discriminação devido à orientação sexual, tanto na sociedade como na escola. No entanto, eles próprios têm enraizado o modelo heterossexual da sexualidade, de que fazem uso, tanto na vida pessoal como na prática profissional.
Na escola, é a partir da ideia de heterossexualidade que os conteúdos são elaborados e que os discursos são produzidos. Perguntar a um rapaz "Já tens namorada?" e a uma rapariga "Já tens namorado?", ignorando outras possibilidades de relação afetiva, é algo que está tão interiorizado e mecanizado como "a ordem natural das coisas", que parece não admitir outras formas de sexualidade. No referido estudo, apenas uma professora evidenciou a utilização de um discurso abrangente, justificando para tal as diversas formações que teve sobre sexualidade e afetos, as quais lhe despertaram para a importância da utilização de um discurso respeitador da diferença.
Ainda de acordo com os resultados desta investigação, a referência à homossexualidade como forma de insulto entre alunos parece ser uma prática tão comum que, na generalidade, não é considerada uma forma de agressão. Comentários como "maricas", "zabela" ou "paneleiro" fazem parte do dia a dia escolar e são muitas vezes ignorados pela comunidade educativa. De facto, parece existir uma grande lacuna na formação dos professores no que se refere à sexualidade e, especificamente, à homossexualidade. Estes profissionais, que deveriam ser os principais agentes de mediação e combate de práticas discriminatórias dentro da escola, pela afirmação ou pelo silenciamento vão legitimando determinadas práticas sexuais e reprimindo outras, e assim exercendo uma pedagogia da sexualidade, muitas vezes sem terem disso consciência.
Toda esta problemática ganha particular relevância quando falamos de adolescentes, pois para além das profundas alterações que vivenciam a nível físico e nos domínios cognitivo, psicológico, afetivo e relacional, têm a complexa tarefa de conciliar todas essas transformações com a exigências sociais e esperanças pessoais de formar um autoconceito coerente, isto é, uma identidade. E se a escola nega ou ignora outras formas de sexualidade que não a heterossexualidade, está a oferecer poucas oportunidades para que os adolescentes e jovens assumam, sem culpa ou vergonha, a sua orientação sexual.
Então, se queremos realmente uma sociedade mais justa, podemos começar por alterar os discursos. A discriminação não se manifesta apenas pelas atitudes violentas e homofóbicas, vindo, muitas vezes, dissimulada em discursos que se dizem "tolerantes".
Citando o escritor Vergílio Ferreira, "Há no homem o dom perverso da banalização. Estamos condenados a pensar com palavras, a sentir com palavras, se queremos pelo menos que os outros sintam connosco. Mas as palavras são pedras". E, infelizmente, não são levadas pelo vento. Pelo contrário, vão deixando marcas nas histórias pessoais e moldando quem as ouve.
A escola, como espaço que propõe educar e propiciar recursos para a evolução intelectual, social e cultural do homem, tem o dever de formar gerações mais informadas e sem preconceitos. Mas todos nós, enquanto sociedade, também temos um papel. Não somos só o produto, também somos produtores da sociedade em que vivemos.
Na equação do respeito pela diversidade, as únicas variáveis somos nós. Não deixemos que esta seja uma tarefa para "os outros", pois "os outros" dos outros, somos nós.
Catarina Rodrigues

Publicado na página IGUALDADE XXI no Jornal Diário Insular de 21 de Maio de 2014

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